89 FM na premiere do documentário sobre Little Richard, o pai do rock
Rogéria Vianna, de Nova York
Depois de estrear no festival de Sundance em janeiro, o documentário “Little Richard: I Am Everything” chegará aos cinemas no dia 21 de abril. Mas a 89FM esteve presente na première no SXSW em Austin, e em Nova York e conta o que esperar dessa obra.
Dirigido por Lisa Cortés, o documentário conta a história das origens queer negras do rock n’ roll e o legado e vida pessoal do polêmico artista. Ilustrado com uma riqueza de fotos e arquivos de performances, a obra nos convida a uma viagem ao complicado mundo de Little Richard. A narrativa inclui também entrevistas com familiares, estudiosos negros e queer, além de alguns dos artistas que Richard influenciou como Mick Jagger, Paul McCartney, o cineasta John Waters e o ator e cantor Billy Porter.
O filme mostra como Richard criou uma forma de arte para autoexpressão enquanto cambaleava entre Deus, sexo e rock n ‘roll. E foi polêmico desde sempre.
Richard Wayne Penniman nasceu em Macon, Geórgia, em 1932 e, mais tarde, assumiu o nome artístico de Little Richard. Durante sua vida, sofreu bullying com seu pai, um pastor dono de uma boate e bar clandestino, que não aceitava a sexualidade do filho e o expulsou de casa.
Richard começou então a se apresentar como cantor, fez shows como travesti e em 1953 estreou com sua banda, os Upsetters. Estourou na cena musical com seu estilo singular e uma performance energética tanto na voz quanto no piano.
A música “Tutti Frutti”, seu primeiro hit, foi descrita pelo governo como obscena (a letra fazia referência a sexo anal) e que contribuía para a delinquência de adolescentes e por isso precisou ter sua letra alterada. Já “Long Tall Sally”, outro grande sucesso em 1956, fazia as garotas brancas desmaiarem sobre ele em um dos primeiros movimentos de integração racial na pista de dança. Mesmo derrubando os muros da segregação na música, foi preso e espancado na Geórgia por cantar “música negra”.
O documentário concentra-se na estranheza de Richard, que mantinha uma relação complexa com seu verdadeiro eu, chegando a anunciar ter renunciado à homossexualidade em vários momentos de sua vida. No auge de sua fama, renunciou também ao rock ‘n’ roll em favor da religião. E levou sua decisão tão a sério que foi estudar em um seminário adventista do sétimo dia, produziu um álbum gospel e casou-se com Ernestine Campbell que conheceu no seminário.
Outro importante tema abordado é que Little Richard, apesar de ser uma das figuras mais importantes e influentes da história do rock, sentiu-se constantemente subestimado ao longo de sua vida e sem ter o reconhecimento merecido, como outros pioneiros negros do gênero.
Prova disso é que foi autor de canções clássicas a partir dos anos 1950, que muitas vezes eram gravadas por cantores brancos que lucraram muito mais do que ele. Como Richard mesmo fala em uma das imagens de arquivo, “Você sabia que Elvis Presley e Pat Boone venderam mais ‘Tutti Frutti’ do que eu?”
Enquanto muitos artistas admiravam Little Richard, como os Beatles, David Bowie, James Brown, Mick Jagger, ele admirava Ike Turner e Billy Wright e tentava imitar seus estilos. Combinou vocais e instrumentação de rock com coreografias de palco extravagantes e maquiagem pesada, décadas antes de Freddie Mercury, David Bowie, Prince ou Elton John ganharem milhões fazendo o mesmo.
Richard externava seu ressentimento por nunca ter recebido um Grammy, embora fosse “o inovador, criador e rei do Rock ‘n’ Roll” e sentisse que nunca havia sido aceito pela sociedade, pois era negro, gay e deficiente (uma de suas pernas era mais longa do que a outra).
Em 1986, Little Richard finalmente foi reconhecido no Hall da Fama do Rock ‘n’ Roll, mas não pode comparecer porque sofreu um grave acidente de carro a caminho da cerimônia. Em 1993, veio o tão esperado Grammy pelo conjunto de sua obra e, em 1997, o Prêmio de Mérito do American Music Award, que recebeu com lágrimas nos olhos aos 74 anos. Foi feita justiça.
Durante toda sua carreira, seu carisma, vaidade e autoconfiança falaram alto por meio de suas perucas, seus figurinos extravagantes e sua expressão característica “Shut Up”, que é popular até hoje.
Little Richard morreu em 2020, aos 87 anos sendo aplaudido e reverenciado por gerações. Esse documentário é um retrato brilhante do verdadeiro “pai do Rock ‘n’ Roll”, que teve uma existência tão ousada e impactante quanto sua obra.